quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Prazeres...


A auto-estrada estava calma, como era normal àquela hora. Entregou-se ao mais puro prazer da condução. Acordara com predisposição para aceitar o mundo, isso era evidente, daí que tudo o resto não importasse, mesmo que noutras ocasiões o mesmo se mostrasse incómodo. Nem a voz monocórdica de Abrunhosa na telefonia chateava, muito menos o cromo do camionista que seguia a velocidade pedonal. Tudo se mostrava demasiado pacífico. Estranhamente hoje não cantarolava, só um tímido balbuciar quando a viagem se aprestava ao seu término. Era um dia anormal, por isso o punha a pensar. Haveriam assim tantas razões para o equilíbrio? Era óbvio que não. Mas mais do que isso, ele finalmente aceitara-o. Integrara-o de tal maneira que dispensava parte da realidade para prosseguir o seu caminho. Havia finalmente uma forma de ultrapassar o obstáculo, que não necessariamente transpô-lo, talvez contorná-lo, que havia descoberto e que parecia resultar…

Seria possível confundir sentimentos? Havia esse risco, era inevitável, mas a alternativa de passar ao lado, ignorando toda e qualquer possibilidade de realização do sonho, mostrava-se claramente nefasta e prontamente rejeitada pela frieza que o pautava. Parou por momentos e repreendeu-se a si próprio por ser tão calculista. Era um defeito óbvio que não conseguia corrigir e isso irritava-o, mas moderadamente. Esta discreta falha da sua personalidade tinha a vantagem de esclarecer o raciocínio em situações de stress, auxiliando aquela que já era uma crónica incapacidade de decisão. Nem sempre pesar os prós e contras seria o melhor método, bem o sabia, muito menos quando estavam em causa sentimentos, mas era o melhor que conseguia fazer. Escolhia as suas opções em função da racionalidade, ignorando a (pouca) inteligência emocional que possuía, e os resultados estavam à vista. Quando tudo, tudo na sua vida se parecia basear neles, ou na sua falta… Acendeu a televisão. Estava na hora de voltar à sua realidade favorita.

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