sexta-feira, março 02, 2007

Divagações cinematográficas...

Quando falamos de cinema, pelo menos para um aprendiz de apreciador da arte como eu, falamos essencialmente da criação de atmosferas. Só agora tive a oportunidade de ver “Batman Begins”. O DVD andava para aí perdido no meio das revistas, whatever. Mas tenho que admirar o trabalho de Cristopher Nolan. Se realmente o objectivo é a construção de ambientes que nos envolvam, então todo o mérito ao homem que nos havia já surpreendido com a mestria de “Memento” e “Insomnia”. É fantástica a recriação de Gotham City, cinzentona, corrupta, alicerçada nos padrões do crime que mais tarde Bruce Wayne acaba por interiorizar, por meio de um processo de aprendizagem nunca antes visto em Batman, bem mais negro do que a fantasia dos vilões da comic book ou a despropositada feminilidade de Robin, o fiel compincha que aparecerá em aventuras subsequentes. Aqui o verdadeiro companheiro de Bruce é o mordomo Alfred, mostrando aquela sobriedade a toda a prova do grande actor que é Michael Caine. Mesmo a preparação para as seguintes aventuras do herói é extremamente bem feita. E depois aquela frase: “It's not who I am underneath, but what I do that defines me…” Absolutamente rendido.



E já que rebusco a temática, permitam-me uma curta opinião sobre os Óscares 2007. Com toda a sinceridade, gostei que “The Departed” tenha vencido. Não vi ainda “Letters from Iwo Jima” nem “A Rainha”, mas julgando pelo que me sobra, o filme de Scorcese pareceu-me, considerando as limitações do género no que aos gostos da Academia diz respeito (tem sido mais bonito dar o prémio a dramas, claro está), à vontade, o melhor.

Convenhamos, Clint Eastwood não podia ganhar mais um Óscar, já que tem essa pequena mania de tudo o que realiza ter nível para a estatueta, e a biografia da Rainha Isabel II, por muito boa que possa ser também, consagrará essencialmente a grandeza da actuação de Helen Mirren, justamente (pelo que dizem) galardoada com o título de melhor actriz principal. De “Little Miss Sunshine” guardei excelente impressão, pela subtileza com que aborda uma série de temáticas interessantes, sem nunca perder a leveza de uma boa comédia que por momentos nos consegue levar as lágrimas. Mas sendo o típico filme “indie”, dificilmente teria hipótese, até pela excelente consagração que já foi a estatueta de Alan Arkin como melhor secundário ou a nomeação da pequena mas talentosa Abigail Breslin. Quanto à obra de Inarritu, "Babel", junto-me facilmente aos muitos que dizem que este, sem ser um mau filme, tem sido certamente sobrevalorizado. Confesso que adorei o seu precursor na chamada triologia do medo, “21 gramas” (ainda me falta “Amores Perros”), e sendo assim, dificilmente acharia que este poderia alcançar o mesmo nível. Se o retracto das diferentes culturas, das falhas de comunicação ou do chamado efeito borboleta acabam por não estar mal gizados, a película parece caminhar para um desfecho que não existe, para uma hipotética conclusão que não convence ninguém. Uma bala perdida pode conduzir a um incidente internacional em ambiente pós-terrorismo, ok, a relação pais-filhos constitui-se de uma relevância primordial, sim sr, histórias em paralelo com um ponto em comum, óptimo, paisagens deslumbrantes relatando diferentes realidades pelo planeta fora, muito bonito. E o que isto nos traz de novo? Inarritu tem talento, sim, mas não pode fazer um filme como se de um prato novo baseado nos mesmos ingredientes de outras iguarias do passado se tratasse. O segredo não está certamente no que ele mete na panela, mas sim na maneira como o cozinha…



Quanto ao vencedor, bem, consagra finalmente a mestria de um dos melhores realizadores de Hollywood, que provavelmente já mereceria este prémio por realizações anteriores. Em “The Departed”, contudo, há uma intriga fantástica e que permite obter o máximo rendimento de excelentes actores. Não muito mais que isto, sim, mas de extrema qualidade. Nicholson é sublime. Aliás, quanto a mim, uma das grandes injustiças da Academia foi não o ter incluído no lote dos nomeados, bem como a “Blood Diamond”, um filme que consegue realmente arrebatar (a cena do reencontro de Solomon com a família no campo de refugiados é uma pérola, para além da que dá origem à intriga), contando com excelentes interpretações de Djimon Hounsou e de um Di Caprio cada vez mais maduro (como já havia acontecido no filme de Scorcese, começo a render-me…). De resto, da cerimónia em si, o que se esperava, tudo bem repartidinho, sem grandes ondas, com apresentadora a condizer, engraçada mas com moderação, não vá haver depois azia para aqueles lados (volta Jon Stewart, estás perdoado…). A reter a fantástica entrada em cena de Jack Black, Will Ferrell e John C. Reilly. Para o ano há mais.

3 comentários:

astolfo disse...

Mais um pequeno detalhe que me havia escapado. Para além de "Memento" e "Insomnia", a mais recente obra de Nolan é justamente "The Prestige", nomeado para os óscares deste ano em duas categorias, incluindo melhor fotografia, para Wally Pfister, que havia já conseguido o mesmo feito, justamente, com "Batman Begins"... (cá temos essa fundamental contribuição para a tal coisa da atmosfera...)

Anónimo disse...

Tenho medo de comentar este blog! Parece que até sabes o que dizes e eu ja nao vou ao cinema paí desde a estreia do Rei Leão!

Nhé..

Daniel C. disse...

E eu que ainda sou do tempo em que os filmes eram mudos e não falavam com ninguém...
Eu até era capaz de contrubuir com qualquer coisa, mas com esta análise ainda tenho de me levantar do chão onde estou a espumar da boca e a dizer coisas sem sentido, tipo, sinto-me aquele gajo que se assusta por ver as imagens a mexer numa tela...
O pá...
Brilhante, perdi a vontade de rever os óscares, quando quiser rever, dou aqui uma saltada e releio o teu post.
Para dar um ar de intelectualóide, digo que para mim só vale Cannes!

Gd Abxo